Há um costume sagrado e obstinado na doutrina evolutiva de procurar confirmações pra tudo e supervalorizar a interpretação de fatos, por mais óbvia que a conclusão seja mesmo em outra perspectiva. Um dos casos que vejo vez ou outra por aí é a predição de uma espécie de mariposa a partir de uma orquídea feita por Darwin. A história começa assim [1]:
Em 1862, Charles Darwin recebeu uma caixa de plantas de um horticultor e colecionador de plantas exóticas, James Bateman, e nessa caixa encontrava-se um exemplar da flor de uma extraordinária orquídea – o Angraecum sesquipedale. Numa carta a um amigo, Darwin escreveu “Acabei de receber uma caixa do Sr. Bateman com o espantoso Angraecum sesquipedalia com um nectário com um pé de comprimento – aproximadamente 30cm. Sabe Deus que inseto conseguirá sugá-lo.”).
Os artigos normalmente se referem ao que acontece em seguida como consequência dos “poderes de previsão maravilhosos” da evolução e destacam a “previsão da existência da espécie décadas antes de sua descoberta!”. Em outro site encontramos uma versão mais resumida da predição:
Charles Darwin era um observador habilidoso! Em 1862, enquanto observava a anatomia das orquídeas do gênero Angraecum, ele sugeriu a existência de um polinizador, especificamente uma mariposa da família Sphingidae, cuja probóscide (órgão para sucção) seria longa o suficiente para atingir o néctar da espécie Angraecum sesquipedale.
Logo, baseado em ideias evolutivas, uma evolução conjunta (coevolução) ocorreu e as duas espécies em suas interações desenvolveram essas características notáveis e complementares.
Agora, pergunto eu: e se a inferência fosse baseada em design? Por exemplo, mesmo dentro do contexto biológico [2]:
Polanyi usou a palavra sucesso (achievement) para descrever essa propriedade. Temos que considerar os organismos como alcançando ou falhando em certos objetivos, caso contrário, não podemos compreender o que os organismos estão fazendo a qualquer momento.
Tudo isso está no contexto de design. Há expectativa de alcançar algum resultado. Se há néctar, há alguma razão pra isso. A “grande e maravilhosa predição evolutiva” é uma simples inferência intuitiva óbvia por design. Mas é do pensamento evolutivo transformar pequenas coisas em grandes e reduzir abismos em poças d’água.
Se eu encontro a orquídea com néctar, por que eu concluiria algo diferente? Aliás, é com bem mais certeza que a inferência ao design geraria expectativa de uma espécie correspondente tal como se eu encontrasse uma chave ou mesmo uma tampa isoladas de suas partes complementares (porque essas inferências são baseadas em nossa experiência). E, na verdade, existem em vastas regiões da África orquídeas relacionadas a mariposas com a mesma interação, a única diferença relevante para o caso era mesmo o comprimento do nectário e, portanto, exigia uma mariposa com espirotromba correspondente. Era óbvia a expectativa, independente de qualquer teoria; a narrativa evolutiva é empurrada como um fato “impressionante” confirmado.
Conhecendo a plasticidade dos organismos e a possível intensificação de características na interação entre esses organismos, é plausível aceitar que essa narrativa evolutiva específica esteja certa? Sim. Mas não é exclusiva, nem necessariamente correta e muito menos “impressionante” ou “maravilhosa”.
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[1] A Orquídea de Darwin (link). [2] Derek Gatherer. So what do we really mean when we say that systems biology is holistic? 2010.
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