Teoria do Design Inteligente é “Negacionista”?

É comum a crítica ao movimento da Teoria do Design Inteligente (TDI), de que se trata de um fenômeno ou teoria “negacionista”, mesmo quando se admite sua cientificidade, por alguns críticos, como se seu único objetivo fosse negar outra teoria, ou seu critério de sucesso fosse a falha dela. E, de fato, a crítica procede, de um modo, no entanto, míope, diante do que historicamente ocorre nas ciências.

Após conhecer a Estrutura das Revoluções Científicas, proposta pelo filósofo das ciências, Thomas Kuhn, na reflexão seguinte, é possível enxergar ou adquirir uma empatia adequada, nos variados movimentos em torno de uma teoria, caso o leitor não seja uma geração (com a visão) já comprometida com a cultura de um paradigma.


A Crise Científico-Revolucionária

Dentro da estrutura de Kuhn (2013), paradigma é apresentado sob dois sentidos. Em um conceito estrito, é definido como realizações científicas, universalmente reconhecidas, ao longo do tempo, fornecedoras de problemas e soluções modelares para uma comunidade científica (KUHN, 2013, p. 53). Esses modelos, como exemplos aceitos de prática científica, incluindo leis, teorias, aplicações, experimento e instrumentação, proporcionam tanto uma tradição coerente como servem de compromissos a essa comunidade, tornando-o, assim, a razão de sua união (KUHN, 2013, p. 28). E em outro sentido, mais abrangente, é a constelação de crenças, valores, técnicas, entre outros elementos (que não sejam regras, pressupostos e pontos de vista, os quais derivam de paradigmas), partilhados por essa comunidade – daí o governo primário do paradigma, não sob um objeto de estudo, mas sob esse grupo (KUHN, 2013, p. 280, 286). Dessa forma, uma teoria não se torna um paradigma quando explica todos os fatos, com os quais pode ser confrontada (o que de fato nunca acontece), porém quando é mais persuasiva do que suas competidoras (KUHN, 2013, p. 80). Nesse sentido, o sucesso de um paradigma se deve, em grande parte, a uma promessa de sucesso, reforçada em condições novas ou mais rigorosas, ou mesmo, em exemplos selecionados, mas incompletos (KUHN, 2013, p. 88).

A pesquisa científica firmemente baseada, no paradigma das realizações passadas, define o conceito de ciência normal, consistindo, então, de uma atualização da promessa de sucesso do paradigma, isto é, uma espécie de trabalho de acabamento, articulação e reforço do próprio paradigma, dos quais se ocupam a maioria dos cientistas, em boa parte de sua carreira (KUHN, 2013, p. 88-89). Essa ocupação ou compromisso apresenta três classes de foco: um voltado a aumentar a precisão da teoria paradigmática, por meio da determinação de fatos particulares que são significativos para revelar a natureza das coisas; outro voltado a desenvolver a aparelhagem capaz de resolver o problema-modelo; e, por fim, a mais importante, voltada a resolver ambiguidades residuais, de modo a permitir a resolução de problemas, dos quais a teoria apenas chamava a atenção antes, ou numa geração anterior de praticantes (KUHN, 2013, p. 90-92). Essas três classes de problemas, dessa maneira, esgotam a teoria e prática da ciência normal, entretanto não de todo empreendimento científico, especialmente quando surgem os problemas extraordinários (KUHN, 2013, p. 100). Porém, nesse caso, a novidade inesperada é tratada como um fracasso, uma vez que a pesquisa normal busca alcançar o antecipado de uma nova maneira, rejeitando problemas não redutíveis ao seu modelo de solução-problema, pois não se compatibilizam, ou são demasiadamente problemáticos, com os termos e conceitos ligados a um paradigma – daí a conhecida metáfora da ciência normal como uma resolução de quebra-cabeças, cujas peças e ações já estão comprometidas com as regras do jogo (KUHN, 2013, p. 104-106; 112).

Uma ciência normal bem-sucedida não descobre novidades, mas as suprime, a princípio, pois os cientistas não trabalham, com segurança, sem os modelos paradigmáticos, nos quais foram educados, mesmo sem ter consciência plena das características que formam o paradigma de sua própria comunidade (KUHN, 2013, p. 119, 121). No entanto, essa segurança é abalada quando problemas extraordinários se tornam sérias anomalias, e a tentativa de ajustar a teoria ao fato, convertendo o anômalo em esperado (enquanto não convertido, o fato extraordinário não é visto como completamente científico), não é suficiente ou satisfatório, para um outro grupo, principalmente com fracassos cada vez mais frequentes do aditivo teórico (KUHN, 2013, p. 127-128). Nesse momento, aquela força para suprimir se torna paradoxalmente uma força de eclosão de um estado de crise, e só quem melhor conhece os detalhes com precisão, sabe o que é a anomalia (KUHN, 2013, p. 141-143). Isso porque a crise é um sentimento geral técnico, de funcionamento defeituoso, mesmo se havendo um sucesso de popularidade da teoria enquanto atacada – por isso observadores externos, não impactados tecnicamente pela crise, julgam-na como etapas normais de um desenvolvimento científico linear (KUHN, 2013, p. 178). E os sintomas dessa crise podem ser conhecidos pelo surgimento de muitas teorias concorrentes, um número maior de casos anômalos, crescente indeterminação, decrescente utilidade e proliferação de versões distintas da teoria (KUHN, 2013, p. 151, 163). Nesse sentido, esses sintomas podem abrir caminho para uma mudança de paradigma, não para seu abandono, do contrário não haveria ciência ou cientista (KUHN, 2013, p. 162).

Mesmo com anomalias, um cientista trabalha comprometido com as classes de problemas do quebra-cabeças de sua ciência normal, logo não há mudança de paradigma só porque existem surpresas e dificuldades para convertê-las em previsíveis, pois para haver uma revolução é necessário uma reconstrução dos compromissos do grupo, quando uma consciência comum de que algo saiu errado (estado da crise) apresenta uma adesão ou atenção maior de cientistas, e o padrão passa a ser questionado (os mesmos problemas modelos, anteriormente aceitos, passam a ser questionados), num processo de transição, de intensa pesquisa ou ciência extraordinária, que pode tomar um tempo considerável, desde a consciência do fracasso (descontentamento explícito) ao novo paradigma (KUHN, 2013, p. 165, 171; 175-176). Nesse processo, intensificam-se polarizações, desacordo entre escolas, recusas obstinadas das anomalias e disputas na sociedade, inclusive com persuasão de massa, nos quais os procedimentos da própria ciência normal simplesmente não conseguem ser usados para defendê-la (KUHN, 2013, p. 179-180). Entretanto nem sempre uma crise termina quando surge um novo candidato a paradigma e a subsequente batalha por sua aceitação, mas algumas vezes ou a ciência normal acaba sendo capaz de resolver o problema provocador da crise ou os cientistas rotulam o problema, colocando-o de lado, para ser resolvido, por uma geração futura, com instrumentos mais elaborados (KUHN, 2013, p. 168).

Quando o fim de uma crise é iniciada por uma revolução científica há uma mudança de percepção, em que os mesmos dados são vistos sob diferentes relações, com mesma acuracidade de antes, não como uma mera reinterpretação dos dados, pois com a mudança de paradigma, o cientista passa a trabalhar em um mundo novo, apesar de ser o mesmo mundo, porém de conceitos reformulados (incompatíveis e incomensuráveis com os anteriores), dos quais depende para interpretar os dados (KUHN, 2013, p. 211, 214, 217). Assim não há um aprendizado gradual, numa mudança de definição, como no exemplo de Dalton, que não se interessava por química, nem era químico, mas como metereologista, contudo, revolucionou a maneira de praticar a química, com seu novo sistema de filosofia química, apesar de fortes oposições (KUHN, 2013, p. 226-227). Esse exemplo ilustra a falta da neutralidade lógica ou experimental numa transição – Max Planck acreditava, com muito pesar, no fato de uma nova verdade científica triunfar, sob seus oponentes, quando a geração corrente morresse e uma nova se familiarizasse com ela (KUHN, 2013, p. 249-250). Dessa maneira, a revolução é vista mais como uma conversão, devido à persuasão dos melhores argumentos, contendo a alegação de resolver os problemas, mesmo não resolvendo de fato, numa decisão de fé, baseada na promessa de sucesso do novo e crescente paradigma (KUHN, 2013, p. 258-259; 315-316).

Sendo a revolução uma mudança de paradigma, efetuada mediante um processo persuasivo, não seria surpresa a prevalência das paixões dos cientistas, em detrimento da cientificidade, para preservar sua teoria, pois esses, assim como os estudantes, não são preparados para as crises, já que não há em sua educação, especialmente em ciências exatas e naturais, o conhecimento de história e filosofia – normalmente introdutório ou superficial, razão pela qual muitas crises e revoluções são invisíveis a muitos praticantes e leigos, tendo em seu lugar a história da ciência como um desenvolvimento cumulativo e linear (KUHN, 2013, p. 267-268). Essa depreciação dos fatos históricos é, na verdade, próprio dos compromissos de uma ciência normal, uma vez que os principais manuais científicos, junto a obras filosóficas e textos de divulgação, referem-se a um corpo já articulado de problemas, pertencentes a paradigmas aceitos por uma comunidade científica, na época em que foram escritos. Esses manuais fazem os estudantes e profissionais se sentirem participantes de uma longa tradição, que de fato nunca existiu, ou pior, sugerem uma acumulação gradual de fatos, conceitos, leis ou teorias, pelos cientistas, desde os primeiros empreendimentos científicos, porém muitos dos avanços só existiram após revoluções científicas (KUHN, 2013, p. 231-235).


Movimentos e teoria

Diante do exposto anteriormente, é preciso diferenciar os movimentos em torno da teoria da própria teoria. Há movimentos purificadores, desorganizados, rotuladores, “negacionistas”, individuais, agrupados, reativos, entre outros, pois os movimentos são próprios da imensa diversidade e liberdade das pessoas, mas a “TDI é uma teoria científica minimalista sobre sinais de inteligência serem detectados na natureza” (FILHO, 2015).

Um ponto é saber distinguir, por exemplo, os movimentos “impuros”, que não estão ligados diretamente com a teoria, especialmente aqueles com motivação, comunicação ou divulgação religiosa ou teológica, gerando confusão aos que não estão acompanhando a crise científica de dentro (os observadores externos), por isso, podem surgir movimentos reativos de “purificação” a favor ou contra à TDI. Aliás, não há impedimento para uma ligação indireta, por qualquer um, sob qualquer aspecto, apoiando ou criticando, logo é realmente difícil separar as coisas quando tudo parece misturado a quem não esteja familiar dos termos, conceitos e debates – uma forte recomendação é a leitura de Filho (2009, 2015).

Quanto ao ponto “negacionista”, contra o darwinismo, por exemplo, há outros além do Design Inteligente (DI) – vide Filho (2015). Mas a questão principal desse ponto é o seu papel secundário ou inicial, dentro de uma revolução científica, até que se estabeleça um corpo maduro de compromissos para novos cientistas. Logo é imprudente (um adjetivo brando), sob o ponto de vista da estrutura dessa revolução, fazer uma declaração da natureza dessa teoria, como se fosse um movimento, e apenas um movimento “negacionista”, uma vez que não se está enxergando o quadro maior, ou mesmo a própria teoria.

Fazendo uma analogia, também histórica, a Igreja Protestante, de um modo geral, surgiu em oposição à Igreja Católica Romana, e não foi um movimento organizado, nem eficaz por algum evento ou geração – mas um “movimento que teve êxito numa sucessão de tentativas frustradas ao longo dos séculos” (GEORGE, 2007, p. 103). E hoje, (muitas igrejas) protestantes não apresentam um discurso e prática baseados numa negação ao catolicismo – havendo até certos diálogos e trabalhos em conjunto. Aquela concorrência inicial foi necessária.

Já numa analogia científica, o modelo do cérebro relativístico (CICUREL; NICOLELIS, 2015), publicado recentemente, também de autoria de um brasileiro, apresenta um arcabouço teórico, para uma revolução científica, no modo kuhn, nas Ciências da Cognição, incluindo a Inteligência Artificial, com predições para a formação de novos compromissos, em torno de um novo paradigma, não deixando, assim, de ter um caráter “negacionista”, mas secundário.

É importante perceber quem ou o quê proporciona um paradigma para se trabalhar, com as próprias pernas, como foi feito por Max Weber, entre outros. Nesse sentido, é preciso olhar atualmente em que momento ou situação está a produção dos principais filósofos da TDI, na construção dos pilares ou princípios, para a formação ou reformatação de uma ou mais ciências normais, sob o aspecto inteligentista. Se é incipiente, então, nesse jogo extraordinário das ciências, para muitos só resta rotular, blasfemar ou ridicularizar, entretanto quando surgirem os primeiros compromissos, estáveis e produtivos, em novas gerações de cientistas e pesquisadores, como em Biologia Sistêmica (SNOKE, 2014), palavras como crise ou revolução deixarão gradativamente de ser opiniões, a fim de se tornarem parte da história.


Referências Bibliográficas

CICUREL, Ronald; NICOLELIS, Miguel A. L. O Cérebro Relativístico – Como ele funciona e porque ele não pode ser simulado por uma Máquina de Turing. São Paulo: Kios Press, 2015.

FILHO, Enézio E. de Almeida. As críticas precárias de Marcelo Leite (Folha de São Paulo) contra a teoria do Design Inteligente. Desafiando a Nomenklatura Científica, 2009. Disponível em http://www.pos-darwinista.blogspot.com.br/2009/11/as-criticas-precarias-de-marcelo-leite.html. Acesso em 9 jan. 2016.

______. Réplica ingênua, desatualizada e pífia. Observatório da Imprensa, 2015. Disponível em http://observatoriodaimprensa.com.br/mosaico/_ed841_replica_ingenua_desatualizada_e_pifia. Acesso em 9 jan. 2016.

GEORGE, Timothy. Teologia dos reformadores. São Paulo: Vida Nova, 2007.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 12. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.

SNOKE, David. Systems Biology as a Research Program for Intelligent Design. BIO-Complexity, 2014, v. 3, p. 1–11.


2 Comentários

  1. Artigo excelente!!! Excelente! … Isso sim deveria ser ensinado a garotada acostumada com as abobrinhas cientificistas e fantasias dos evolucionistas. Tão propagadas nos veículos de comunicação atual.

  2. Estamos em dupla crise (fase crítica) do estabelecimento de um novo paradigma para a origem das espécies; a evolução do conhecimento científico remete a um novo padrão de realidade. A propositura da teoria do Designer Inteligente inverte as bases teóricas paradigmáticas do Darwinismo e os padrões petrificados do método científico; lá onde a crença é premissa e o acaso o cerne, aqui a crença é causa e efeito não ocasional, dedutível de sólidas bases científicas.
    A TDI é uma sacudida na realidade obscura da teoria equivocada e enraizada de Charles Darwin e das bases teóricas que a metodologia científica tem como regra; são duas frentes em crise existencial com o DI, induzidas ao suicídio.

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