A sequência de números F = {0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, …} possivelmente é uma das mais conhecidas tanto na matemática como para o público em geral. Caso você não a conheça, ela é rotulada de sequência de Fibonacci, e foi estudada pelo matemático Leonardo de Pisa por volta de 1202. Essa sequência é gerada utilizando a seguinte regra recursiva: F(1) = 0, F(2) = 1 e F(n) = F(n-1) + F(n-2), ou seja, o n-ésimo termo é igual a soma dos dois termos antecessores. Ao dividir um termo pelo seu antecessor, o resultado é um número que se aproxima cada vez mais de Φ=1,6180339…, a medida que n aumenta. Este número é denominado de razão (proporção) áurea.
Tanto os números da sequência quanto a razão áurea, assim como o ângulo áureo também associado a esta sequência e razão, são encontrados em muitas formas na natureza, embora existam muitos mitos, incoerências e exageros. Um exemplo de associação errônea é a concha dos moluscos da família nautiloides, comumente conhecido como Nautilus Pompilius. Mesmo que sua concha realmente tenha um padrão em espiral associado, esta não é uma espiral de Fibonacci [1].
Uma Padrão de Fibonacci constatado nos últimos anos ocorre no coração humano. Dentre as várias pesquisas relacionadas, analisaremos aqui o artigo “Golden Ratio is beating in our heart”, publicado no periódico “International Journal of Cardiology” da editora Elsevier, como carta ao editor [2].
O coração humano é composto por quatro câmaras principais, sendo dois átrios e dois ventrículos. O átrio direito recebe o sangue proveniente do sistema circulatório, e enquanto não há o disparo do impulso elétrico no Nodo Sinoatrial o sangue flui diretamente para o ventrículo direito. Quando o Nodo Sinoatrial dispara o impulso elétrico, o ventrículo direito é preenchido com o restante de sangue. Este mesmo impulso, quando chega ao ventrículo direito faz com que este se contraia expelindo o sangue para o pulmão por meio das artérias pulmonares. No pulmão o sangue recebe oxigênio, o qual volta para o coração, mas desta vez para o átrio esquerdo, que bombeia o sangue para o ventrículo esquerdo e este devolve o sangue para o sistema circulatória, por meio da artéria aorta. Esse mecanismo é dividido em dois momentos: sístole e diástole, que compreendem os momentos de contração e relaxamento do músculo cardíaco, respectivamente.
Um dos exames utilizados para analisar o funcionamento do coração é o eletrocardiograma (ECG). No ECG aparecem cinco ondas características: P, Q, R, S e T. A onda P descreve a despolarização dos átrios, e o complexo QRS a despolarização ventricular, enquanto que a onda T informa sobre repolarização ventricular. Assim, a sístole é definida como o tempo transcorrido entre o pico da onda R e o final onda T e a diástole como a diferença entre o valor da fase sistólica pelo intervalo entre duas ondas R (intervalo-RR) [2].
Os autores [2] analisaram o ECG (25 mm/s após 15 minutos de repouso na posição supino) de 162 indivíduos saudáveis com idade média de 32±7 anos. Eles constataram que a razão diástole/sístole é igual a 1,6096…±3 e a razão intervalo-RR/diástole é igual a 1,6157… ±3,31, que são valores muito próximos a razão áurea (ou iguais se considerarmos duas casas decimais).
O leitor cético pode argumentar que estes valores são apenas uma coincidência ou puro acaso. Entretanto, este argumento não pode prosperar, pois uma coincidência que ocorreu em uma amostra de 162 indivíduos, obviamente não é uma coincidência, mas sim um padrão. Na verdade, é realmente surpreendente que estes valores médios tenham sido obtidos, porque a dinâmica do funcionamento do coração também é afetada pelo sistema nervoso autônomo, logo, o simples fato de se estressar durante o sonho, por exemplo, altera a taxa de batimentos cardíacos (intervalo RR). Além disso, existe variabilidade na frequência cardíaca até para um mesmo indivíduo. É por isso que o desvio padrão medido não foi menos significante.
Mas o que significa a relação entre a razão áurea e as taxas diástole/sístole ou intervalo-RR/diástole? Isoladamente, a ocorrência da razão áurea nestas taxas não tem significado algum! Entretanto, quando se observa que a razão áurea ocorre em vários mecanismos naturais, como por exemplo: I) a disposição dos floretes nos girassóis e margaridas; II) a ramificação anatômica da árvore arterial coronariana; III) a razão entre os ramos assimétricos dos brônquios; IV) a frequência de nucleotídeos no genoma humano, que é computada por meio de um modelo baseado na sequência de Fibonacci; V) o punho humano cerrado, que aproxima a espiral áurea, cuja geometria é baseada no tamanho das falanges e no movimento flexor e extensor do primeiro dedo, dentre inúmeros outros; e que estes mecanismos não possuem relação estrutural, então a conclusão é que o padrão de Fibonacci caracteriza um protótipo, um módulo, um fundamento ou uma base. Caso contrário, temos que concluir que sua ocorrência seria aleatória, mas devido a alta frequência de ocorrência esta conclusão é imediatamente descartada. Uma outra conclusão seria a de que a natureza converge para estes valores, porque ele fornece algum caminho ótimo para a estruturação do organismo, entretanto muitas pesquisas têm mostrado que esta explicação não é válida, por exemplo: o empacotamento ótimo utilizado como argumento para explicar o aparecimento de espirais nos girassóis, foi demonstrado não ser válido [3].
É importante destacar que é bastante comum em diversos ramos da engenharia que o engenheiro tenha vários módulos que são utilizados em distintos projetos, a fim de evitar retrabalho e utilizar aqueles componentes que já possuem bons resultados. Em linguagem vulgar, a utilização de módulos evita “ter que reinventar a roda”.
Notamos claramente que no design da natureza este mesmo procedimento de engenharia foi adotado, não somente porque vemos os padrões de Fibonacci ocorrerem, mas porque vários outros padrões também ocorrem, deixando assim, explícita, a assinatura do designer. É claro que existem algumas explicações biológicas para a ocorrência dos padrões de Fibonacci, embora em alguns casos não exista plena concordância [3]. No entanto, cada explicação se restringe apenas aquele organismo que ela é observada, ou seja, somente é explicado como o padrão ocorre, isoladamente, mas não se tem explicações do porquê, já que na maioria dos casos a ocorrência ou não do padrão não traz benefícios funcionais aos organismos, mas apenas estéticos.
Sendo assim, é razoável, dado o conhecimento atual da ocorrência dos padrões de Fibonacci na natureza, que esta ocorrência seja atribuída a algum ente organizador, um projetista, que decidiu que este padrão deveria ocorrer aqui e ali.
Referências
[1] Fonseca, R. Shape and Order in Organic Nature: The Nautilus Pompilius. http://www.jstor.org/stable/1575811.
[2] Yetkin G1, Sivri N, Yalta K, Yetkin E. Golden Ratio is beating in our heart. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23890853.
[3] Cooke, T. J.. Do Fibonacci numbers reveal the involvement of geometrical imperatives or biological interactions in phyllotaxis? https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/j.1095-8339.2006.00490.x
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