Eu apresento aqui um interessante argumento de coerência dos sistemas de design e a relação da coerência com o nível de planejamento. Será mais facilmente entendido por pessoas de áreas como biblioteconomia, computação, engenharia, entre outras.
Alguém que caminhe em uma cidade sem planejamento consegue perceber as limitações, até certo caos em suas ruas e na ocupação de espaços. Esse é o resultado comum do crescimento segundo necessidades imediatas, restrições naturais e desejos individuais através do tempo. Ser o produto de design não é suficiente para a coerência em um sistema complexo. Os problemas que um arquiteto encontra para reurbanização ou reformas de edifícios também são enfrentados por programadores, engenheiros e outros profissionais que trabalham com “reprojetos” ou adequações de projetos à novas necessidades.
Vários homens, com habilidade de inteligência, trabalhando independentemente em um mesmo sistema, não alcançam coerência sem um projeto. Mesmo um homem trabalhando sozinho em um sistema sem planejamento inicial não alcança coerência. Seja em construções, softwares ou qualquer sistema de design sem planejamento único, as expansões do “sistema” são, inescapavelmente, incoerentes. Processos cegos como a “seleção natural” são ainda inferiores a simples ausência de projeto humano para explicar a coerência dos sistemas biológicos.
Por quê?
A própria gênese dos sistemas, em seus princípios¹ e estruturas, impõe restrições em uma perspectiva e não oferece suporte (proficuidade) às novas necessidades por outra. Como diria Aristóteles sobre pequenas diferenças iniciais (no caso: sistemas de conhecimento): O menor desvio inicial da verdade multiplica-se ao infinito à medida que avança. Tal é o comportamento de sistemas complexos.
Os sistemas e construções possuem um fundamento (um cerne) que serve de suporte para todas as outras coisas. Se o sistema é complexo, então há sobre esse cerne outros níveis. Cada nível apresenta seus próprios princípios e estruturas, somados aos anteriores cumulativamente, até o nível “superficial” do sistema. Quanto mais níveis, estruturas e princípios, mais restrições, porque até as potencialidades restringem o sistema — a menos que um ajuste leve todos os elementos em consideração (unidade do planejamento).
Em todo projeto o objetivo é reduzir as restrições e ampliar as potencialidades (proficuidade). A medida que a complexidade do sistema aumenta, as restrições crescem exponencialmente. Como é impossível prever as novas demandas, esforços que retrabalham os níveis, muitas vezes se aprofundando até os fundamentos, são necessários para adequação das estruturas às novas expectativas.
Uma propriedade importante da coerência é a proficuidade: as possibilidades de aproveitamento de um elemento. Quanto mais genérico o cerne de um sistema, menores as restrições e, portanto, maior sua proficuidade. Quanto maior a coerência, mais universal o sistema. Um projeto de alta coerência é o qual todos os elementos são conhecidos e considerados para a melhor organização, sendo ajustados em unidade no sistema.
Um caso especial: sempre de primeira.
A vida tem um cerne: o código genético. Por sua universalidade² é chamado “acidente congelado”: estabelece toda forma de vida e não encontra paralelo nas criações humanas. Esse fenômeno se repete em cada nível da vida, que é “congelado” em suporte aos níveis superiores. É como se cada nível, desde o cerne, fosse estabelecido “de primeira” adequado a todas as demandas dos níveis superiores. O código padrão, as matrizes energéticas, as vias metabólicas assim como os famosos “planos corporais” são exemplos disso. O cerne e os níveis se apresentam como informação biológica de modo que a classificação e semelhança entre os sistemas pode ser inferido pelos níveis comuns (compartilhados).
Seria surpreendente que um sistema fosse estabelecido com suporte para inúmeros subsistemas e níveis, e cada nível fosse também estabelecido com suporte para outros níveis diferentes desconhecidos. Não há nada semelhante em nossa experiência repetida e uniforme com sistemas, estruturas ou organizações. Todas as hipóteses fracassam miseravelmente para explicar essa qualidade ao passo que toda a nossa experiência indica exatamente que tipo de desenvolvimento alcança essa característica (coerência): a unidade do projeto.
Se você desconhece totalmente o planejamento de sistemas, provavelmente pode achar normal que acidentes se estabeleçam de forma apropriada para serem generalizados em vários níveis. Só não espere que especialistas que trabalhem com projetos de sistemas achem isso normal. O argumento já não trata de natureza versus design, mas design versus unidade do design, porque nem todo design possui coerência.
Argumento: Design versus Unidade do Design (Coerência)
Seria surpreendente que algum desenvolvimento conseguisse tal façanha sem correções com ajustes profundos. Mais surpreendente seria, a partir de um projeto sem conhecimento sobre os próximos níveis, alçar suporte para a vasta diversidade de sistemas que desempenham suas funções no ar, na água e na terra, sem prejuízo para os níveis inferiores. Mas seria “normal” caso todos os elementos fossem considerados na unidade do projeto.
Sabendo que o simples design não é suficiente para alcançar essa integridade, a melhor explicação é que os sistemas biológicos possuem a unidade do design desde o cerne³. Chamamos essa característica de coerência.
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Notas Pertinentes
¹ Nota: Por princípios eu me refiro aos elementos que estão além das estruturas, como codificações, regras e padrões genéricos.
“… parece ser, ou estar muito próximo, de um ótimo global para a minimização de erros: o melhor de todos os códigos possíveis.”
³ SJ Freeland et al. Early fixation of an optimal genetic code. 1999.
(Acessar)
Grato ao Márcio Dantas Silva do Estúdio Ponto de Fuga por tratar a minha Figura 1.
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