A Magnitude das Cosmovisões – Domínio Ideológico

Por um momento, imagine um mundo diferente.

Imagine que algo semelhante ao marxismo alcançou hegemonia ideológica, mas que não produziu qualquer fracasso econômico nas sociedades que o acolheram. Algo sem utilidade prática real, mas útil para alterar os costumes da sociedade, justificar intentos e a introdução de novas práticas, uma nova forma de viver.

Tal como no marxismo essa cosmovisão estabeleça uma leitura histórica particular, reescreva a história ao seu viés, desdobre os fatos em uma forma peculiar, ainda que sutilmente, beneficiando a sua própria estrutura, gerando assim uma cadeia de retroalimentação de crenças.

Toda uma densa narrativa é apresentada para todo e cada fato particular, tudo passa a configurar evidência da ideia central, ninguém sabe exatamente nada, mas todos tem certeza de tudo.

A cosmovisão tem o poder de deformar a realidade para que se adéque ao discurso. Com o viés confirmatório operando em sua máxima magnitude as “evidências” são esmagadoras: veja por todos os lados, tudo justifica nosso pensamento!

Todos os aspectos da realidade possuem uma explicação, muitas vezes contraditórias, mas tudo é explicado por essa cosmovisão. Sabemos que os dados são bem flexíveis às interpretações, os resultados são maleáveis ao sabor do observador.

“Aqueles sólidos fatos se mostraram muito maleáveis.” Anna C K P Regner

Considere que todos os acadêmicos são moldados para pensar segundo esse pensamento – na verdade, desde a educação básica os estudantes são induzidos a isso. Não haveria uma reação tão cedo nesse campo, a pressão e o assédio para hegemonia seriam tão fortes quanto qualquer militância ideológica.

Veja que todos os dados descobertos serão tratados para adequação a esse modelo preestabelecido, todas as abordagens serão voltadas a configurar sucesso para essa cosmovisão. Compreenderemos toda crítica como que motivada por ignorância ou desonestidade ou então porque “ainda não entenderam direito, precisam estudar mais”.

O volume de informações é tão grande que é impossível reagir sem supressão, mesmo porque quem tenta se explicar em situação desfavorável, acaba se complicando mais ainda. Um dissidente pode alcançar êxito nas argumentações, mas não terá claque. Em todo caso, como último recurso, pode-se apelar ao argumentum ad populum (apelo à multidão), porque a maioria acredita, logo essa verdade permanece.

Nós também sabemos que todos os conceitos foram repensados em termos restritivos, a motivação não era acurácia (seria louvável), mas eliminar qualquer traço divergente do dogma a ser estabelecido. Assim todo o discurso está restringido ao que deve ser a conclusão.

“Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”. Ludwig Wittgenstein

Talvez o discurso de alguém que queira se justificar nessa controvérsias seja o de que não se “acredita”, apenas “aceita” essa verdade óbvia. Mas se aceita o que? O que se conhece ou que é apresentado? Alguém saberia o poder que a exposição dos dados e o domínio da narrativa histórica possuem? Os resultados mudam drasticamente com a mudança dos métodos, critérios e considerações.

Não estou convidando você a procurar confirmações de uma teoria. Estou convidando a conhecer os pontos de falseabilidade e considerá-los. Fazendo isso você estará a poucos passos de escapar, ao menos por um momento, do condicionamento imposto. Como diria um filósofo do século XX:

“Percebi que meus amigos (…) impressionavam-se com uma série de pontos comuns às três teorias, e sobretudo com sua aparente capacidade de explicação. Essas teorias pareciam poder explicar praticamente tudo em seus respectivos campos. O estudo de qualquer uma delas parecia ter o efeito de uma conversão ou revelação intelectual, abrindo os olhos para uma nova verdade, escondida dos ainda não iniciados. Uma vez abertas os olhos, podia-se ver exemplos confirmadores em toda parte: o mundo estava repleto de verificações da teoria. Qualquer coisa que acontecesse vinha confirmar isso. A verdade contida nessas teorias, portanto, parecia evidente; os descrentes eram nitidamente aqueles que não queriam vê-la: recusavam-se a isso para não entrar em conflito com seus interesses de classe ou por causa de repressões ainda não analisadas, que precisavam urgentemente de tratamento.

O mais característico da situação parecia ser o fluxo incessante de confirmações, de observações que “verificavam” as teorias em questão, ponto que era enfatizado constantemente: um marxista não abria um jornal sem encontrar em cada página evidência a confirmar sua interpretação da história.” Karl Popper

Por um momento, imaginamos um mundo diferente? Não mesmo…

Esse mundo existe, você vive nele. Uma ideia se tornou inquestionável mesmo quando apenas uma face é exposta ao público, o restante é debatido confidencialmente. O darwinismo é o marxismo das biológicas.

“A evolução, em certo sentido, tornou-se uma ‘religião científica’; quase todos os cientistas a aceitam e muitos estão dispostos a ‘moldar’ suas observações para que se ajustem a ela”. H. S. Lipson

A história terrestre é muito mais obscura do que lhe querem fazer crer, muito mais interessante. Temos descontinuidade sistemática das faunas, elas se sucedem através do tempo, na maioria das vezes surgindo abruptamente e desaparecendo da mesma forma [1]. A árvore da vida é emaranhada com outras árvores de outros componentes em um mesmo organismo, derrubando a ancestralidade comum categoricamente [2]. As análises filogenéticas até chegam a configurar árvores opostas quando consideramos componentes distintos dos organismos, um fechamento em laço entre as espécies, como se fossem produtos instanciados de um projeto singular.

“Eu fui ensinada muitas vezes que o acúmulo de mutações aleatórias resultava em mudança evolucionária – resultava em novas espécies. Eu acreditei nisso, até que procurei pela evidência. […] Não existe gradualismo no registro fóssil […] O ‘equilíbrio pontuado’ foi inventado para descrever a descontinuidade […] Os críticos, inclusive os críticos criacionistas, estão certos em seu criticismo. […] Os biólogos evolucionistas acreditam que o padrão evolucionário é uma árvore. Não é. O padrão evolucionário é uma teia […].” Lynn Margulis

A analogia com o marxismo é a mais adequada por causa da magnitude das cosmovisões, são “culturas”. Elas englobam diversos aspectos da realidade, inclusive sobre nosso próprio comportamento. E a toda a produção científica conforma as observações e experimentos ao pensamento corrente, deformando todas as conclusões ao modelo atual.

“Os cientistas não têm escrúpulos em introduzir hipóteses que não sejam centrais, nem de outra forma motivadas, a fim de proteger uma teoria de aparente refutação, mesmo que as hipóteses tenham pouco valor explicativo adicional.” Lakatos

Em resumo: eu sequer consigo imaginar outra possibilidade, tudo confirma o que penso, logo qualquer um que discorde é ignorante, mal intencionado ou ainda não entendeu e precisa estudar mais. Portanto, alguém que discorda muito provavelmente é um obscurantista, negacionista ou está ganhando algum dinheiro.


Referências

Popper, Karl R. Conjecturas e refutações:(o progresso do conhecimento cientf́ico). Ed. Universidade de Brasília, 1972.

[1] Eskelsen. Ancestralidade Comum.

[2] Eskelsen. As Árvores Informacionais da Vida.

Physics Bulletin – Um Físico Examina a Evolução – H. S. Lipson, Vol. 31, p. 138

Professora Dra. Anna Carolina Krebs Pereira Regner (UNISINOS) [Vídeo]

Lakatos, Imre. The Methodology of Scientific Research Programmes. Cambridge University Press, 1978.


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