A ancestralidade comum nos parecia óbvia, afinal, qual seria outra explicação para a configuração do universo biológico? Pois bem, as coisas não são bem assim. Aqui você poderá entender um pouco do refinado cerne conceitual dos pensadores de outrora que foi suplantado por uma aposta, e hoje encontra a rara chance de ser expresso.
Esse é um dos tópicos que considero mais importantes no estudo na natureza.
Quando Carolus Linnaeus (1707 – 1778) organizou a vida classificando-a conforme características, a árvore orgânica tomava forma sob pura descrição da natureza. Esse sistema de classificação começava a simplificar o universo biológico tal como a teoria dos conjuntos simplificaria a matemática, e opera segundo o mesmo princípio.
Linnaeus, assim como muitos antes e depois dele, se baseava em um concepção essencialista, o que lhe rendeu uma forte capacidade conceitual e abstrata. Linnaeus se destacou em muitas coisas, mas são seus trabalhos de classificação científica que interessam mais. O que levaria alguém a classificar com tanta confiança as espécies sem medo que sua empresa terminasse frustrada em algum problema insolúvel, um beco sem saída classificatório?
Linnaeus acreditava no sucesso de suas experiências passadas, na coerência das propriedades na natureza, com a vantagem que seu essencialismo possui um esquema conceitual que produz modelos que podem ser absorvidos por qualquer teoria. São sistemas orgânicos baseados nas características das entidades.
Concepção e aplicação
Quando realizamos um trabalho mais complexo, a tendência é que o conteúdo processado, e o que ainda será processado, se misture indiscriminadamente. Ao tentar resolver esse problema a solução se apresenta como classificação e o resultado é um sistema com distribuição hierárquica dos conteúdos (entidades), que passam a configurar uma árvore com níveis de profundidade. Cada elemento em um nível é um nó que se relaciona com outros nós. Uma analogia aplicável é a organização de pastas de um computador, cada pasta é um nó e a mesma analogia pode ser absorvida pela ancestralidade comum sendo hoje reivindicada a ela com suposta exclusividade. Todas as construções informacionais obedecem a essa organização que se distribui na forma de árvore, sem exclusividade.
A questão central é que essa solução vai muito além de resolver problemas existentes, sua aplicação mais poderosa vem nas atividades criativas. Os projetos possuem árvores de processos, árvores de prioridades, árvores de critérios e árvores de entidades. Talvez a exemplificação mais forte e revolucionária seja a orientação a objetos na programação, que se tornou paradigma dominante na criação de softwares.
Veja que todas as formas convergem para um ponto central, uma origem única. Entenda aqui que origem única, como já comentei outras vezes, pode se referir no caso da vida à ancestralidade comum, mas não necessariamente. A classificação orgânica de Linnaeus configura uma árvore com origem comum, a ancestralidade comum foi atribuída mais tarde como uma aposta, compromisso de continuidade (nunca cumprido).
Representação em árvore da história dos computadores (desenvolvimento a partir do ENIAC)
Árvore Primária & Acessórias
Um sistema de design normalmente possui árvores sobrepostas, as primárias, com as características globais, e outras acessórias, que desempenham papéis secundários. Essa liberdade torna a inferência ao design muito forte.
No caso da vida a estrutura primária é a árvore principal, a qual propicia ilusão de ancestralidade comum; as estruturas secundárias também configuram uma árvore, mas falseiam a ancestralidade comum, são responsáveis pelos conflitos e anomalias nas análises filogenéticas.
Podemos concluir portanto que o modelo de inferência ao design é livre, pode expressar os dados puramente, sem restrições e sem necessidade de postular múltiplas trajetórias fantasmas.
O interessante é que esse modelo se identifica com as soluções bem conhecidas para projetos complexos sendo, portanto, uma explicação positiva, revela o método de desenvolvimento dos sistemas biológicos.
A colocação “partes reutilizáveis para diferentes projetos”, comumente usada pelos proponentes do Design Inteligente, é uma forma simplista de apresentar essa ideia que nunca foi expressa, apenas absorvida. É uma forma errônea e frágil de se expressar a origem comum do design.
A Trilha da Ancestralidade Comum
A ancestralidade comum é baseada na semelhança global, a qual é considerada como grau de parentesco. Ela corresponde a árvore primária do modelo de inferência ao design e é um critério valioso e justo em poder explanatório e ponto de falseabilidade:
A Sistemática Molecular é (em grande parte) baseada na suposição, articulada pela primeira vez por Zuckerkandl e Pauling (1962) de maneira clara, de que o grau de semelhança global reflete o grau de parentesco. [1]
Recentemente uma onda doutrinária compara a representação linear da evolução negativamente e exalta a representação em árvore (cladograma). A estratégia é persuadir pela “novidade”, porque presumem a incapacidade do cidadão comum entender o processo evolutivo. Nós sabemos que a representação linear privilegia a perspectiva de uma linhagem (abordagem anagênica) em detrimento da representação cladogênica.
E é trivial que se saiba que nas populações eucariontes a linhagem possui claramente uma trajetória única ao retrocedermos aos ancestrais comuns (ou nós caso não existam ancestrais comuns).
Apesar das críticas, a representação linear não importa em prejuízo no tocante a representação ou trajetória particular de uma espécie através de seus ancestrais comuns, porque essa orientação é somente linear. Isso faz com as informações biológicas apresentadas em uma espécie reflitam uma trajetória única, que pode ser investigada até sua origem.
A população, através do tempo, acumula as informações da sua trajetória e alguma informação por transferência horizontal (THG). Essa característica oferece um forte ponto de falseabilidade à hipótese de ancestralidade comum em determinada abrangência. Conjuntos de informações que constituam árvores alternativas possivelmente são anomalias para a ideia de ancestralidade comum de certa abrangência. Essa anomalia se revela mais grave conforme a profundidade dos nós afetados.
Porque se ela for verdade, a linearidade (salvo nos casos de THG) não será encontrada em todas as instâncias.
Os arquétipos usados como referência pelos essencialistas podem ser considerados “inexistentes”, isso se eles realmente não forem reflexo de um projeto. Em casos onde há ancestralidade comum a ideia de arquétipo equivale exatamente à espécie que deu origem ás populações que são observadas em um dado momento.
Exceções
Os casos superficiais onde conjuntos de genes divergem da semelhança global podem ser evolutivamente justificados pela dinâmica de variação entre os descendentes comuns. Um determinado conjunto de genes pode permanecer conservado e se modificar após um segundo nó dando um resultado peculiar, mas não elimina necessariamente a ancestralidade comum.
Porém, quando a profundidade na trajetória evolutiva cresce, a melhor inferência é que a hipótese de ancestralidade comum para o caso foi derrubada nesse ponto de falseabilidade. A profundidade no tempo, isso é, o número de nós ou ancestrais comuns de distância que configurará a anomalia pela implausibilidade dos eventos.
A tentativa de justificar a anomalia com transferência horizontal de genes (THG) encontra sucesso para casos específicos, em todos os outros se torna um ad hoc para salvar a hipótese.
Um caso concreto
Escrevendo esse texto encontrei por acidente uma “refutação” ao Enézio E Almeida Filho. Enézio havia comentado [2] um artigo [φ] citando partes que revelavam anomalias na hipótese de ancestralidade comum. O artigo tratava da análise da árvore da vida pela trajetória dos microRNA’s, e o resultado entrava em choque com a árvore baseada nas semelhanças globais. Na “refutação” ao Enézio o autor diz [3]:
"... o agrupamento filogenético que ele tem visto com estes dados sugerem uma história diferente para os mamíferos. Até aí, não há absolutamente problema nenhum! Ele não detona Darwin ou joga a evolução na lata de lixo! Apenas mostra uma história diferente, mas de qualquer forma, baseada nos mesmos princípios que todos os demais estudos são realizados!" Rubens Pazza
Pazza dissimula porque as duas árvores passam a coexistir configurando anomalia para a ideia de ancestralidade comum. “Mas ambas são ancestralidade comum!”, bom, as duas “ancestralidades comuns” não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo segundo a linearidade da trajetória evolutiva da ancestralidade comum (Eukaryota). Na verdade, as características informacionais relevantes não poderiam configurar mais de uma trajetória. Ele tenta esconder uma anomalia apenas afirmando que as “histórias diferentes” não acarretam em qualquer prejuízo. Apenas afirma sem justificar. O caráter radical das anomalias elimina a possibilidade de transferências horizontais de informação.
Esse é um dos pontos de falseabilidade da ancestralidade comum, por isso a negação sistemática. A imagem das árvores distintas pode ser vista aqui e abaixo o gráfico da sobreposição:
O modelo baseado em design possui uma profundidade conceitual maior que o de ancestralidade comum, por isso eu nunca sei quando as objeções procedem de incapacidade cognitiva ou apelo à ignorância.
Bom, então as trajetórias fantasmas de fósseis também são equivocadas mesmo como possibilidade? Sim, na atual configuração elas não podem sequer existir: não existem contradições na realidade, apenas no discurso. Então, quando se é sincero se tem a seguinte confissão:
“A extrema raridade das formas transicionais no registro fóssil persiste como o negócio secreto da paleontologia. As árvores evolucionárias que adornam nossos livros texto têm dados somente nas pontas e nós de seus galhos… em qualquer outra área, uma espécie não surge gradualmente pelas transformações graduais de seus ancestrais; ela aparece de uma vez e plenamente formada.”
“… a ausência de evidência fóssil para os estágios intermediários entre as principais transições em design orgânico, na verdade, a nossa incapacidade, até mesmo em nossa imaginação, de construir intermediários funcionais em muitos casos, tem sido um problema persistente e incômodo para as explicações gradualistas de evolução.”
Stephen Jay Gould [4][5] reconhecendo o problema perene das ingênuas apostas do século XIX.
Sobre a Unidade do Universo Biológico
Os críticos do design presumem que uma origem que não seja por ancestralidade universal comum tenha que necessariamente ser de variedades exóticas ao todo, excêntricas; a posição do homem ainda mais, essa deve ser mais excêntrica, estar em choque com o Universo. O homem deve ser estranho a tudo, não deve participar da mesma natureza, nem possuir as mesmas assinaturas dos outros seres para que seja design. Reduzindo a exclusividade do nosso intelecto e a capacidade de entender isso em algo banal.
Sabemos que boa parte dos ativistas sabe de tudo isso, que eles sustentam as teorias por exercício de crença. Cabe a você ter o brio de rejeitar a imposição de algo errado propagado em assédio consciente.
Leituras recomendadas:
A Biologia Molecular Falhou em Fornecer uma “Árvore da Vida”
A Evolução Convergente Desafia o Darwinismo e Destrói a Lógica por Trás da Ancestralidade Comum
O Aparecimento Abrupto de Espécies no Registro Fóssil Não Condiz com a Evolução Darwiniana
A Explosão Cambriana: Um Fato a Ser Negado
Referências
[φ] Tarver, J. E., Donoghue, P. C. J. and Peterson, K. J. (2012), Do miRNAs have a deep evolutionary history?. Bioessays, 34: 857–866.doi:10.1002/bies.201200055 [1] Jeffrey H. Schwartz, Bruno Maresca, “Do Molecular Clocks Run at All? A Critique of Molecular Systematics”, Biological Theory, 1(4):357-371, (2006). [2] Enézio Eugênio Almeida Filho. A desonestidade acadêmica dos cientistas evolucionistas sobre o status heurístico da teoria da evolução no contexto de justificação teórica. Nov/2013 [3] Rubens Pazza. Criacionistas e o método do papagaio. Nov/2013. [4] W. W. Norton. The Richness of Life: The Essential Stephen Jay Gould, 2006. [5] Stephen Jay Gould. “Is a new and general theory of evolution emerging?”, Paleobiology, Vol. 6 (1):119-130, 1980.
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