A confusão entre Ciência e Tecnologia é antiga, podemos encontra-la até mesmo nos Cadernos do Cárcere(1932-1933), de Gramsci.
§ 39. Deve-se notar que, ao lado do mais superficial fanatismo pelas ciências, existe realmente a maior ignorância dos fatos e dos métodos científicos, que são muito difíceis e que se tornam cada vez mais difíceis graças à progressiva especialização dos novos ramos de investigação. A superstição científica traz consigo ilusões tão ridículas e concepções tão infantis que a própria superstição religiosa termina enobrecida.¹
As ilusões, no caso, seriam desenvolvimentos que facilitariam, resolveriam ou transformariam a nossa realidade. Seriam os produtos do que alguns chamam hoje de ciência aplicada, que na verdade é tecnologia, mas a demarcação entre ciência e tecnologia já era praticamente inexistente., pelo menos no senso comum e na forma como o próprio Gramsci descreveu. Ele tinha no entanto conhecimento dos conceitos academicamente correntes sobre Ciência e, em um deles, uma das características fundamentais para a distinção:
Outras tendências ... definem a ciência como “a descrição mais econômica da realidade”.²
O termo descrição resume o Universo da Ciência. Descrições não “funcionam” como tenta passar a imagem desta publicação ou tal como o senso comum materialista apresentou ao mundo no últimos séculos: elas se adequam ou não, correspondem ou não. Tecnologia, isso sim está no campo da funcionalidade, e isso inclui os métodos científicos.
A observação de que ciência e tecnologias são precisamente caminhos inversos é trivial – a ciência tenta reduzir os fenômenos os descrevendo em princípios, leis, equações, por exemplo, na direção do conhecimento universal e necessário; a tecnologia corre na direção contrária: reúne diversos princípios e conhecimentos, até mesmo tácitos, que são aplicados em particulares contingentes. Um mesmo conhecimento pode produzir desde produtos necessários até artefatos bélicos. Por exemplo, o conhecimento em fissão nuclear é aplicado em usinas nucleares e em bombas atômicas, são produtos tecnológicos e não necessários como todo artifício (design).
A questão é que os conceitos se misturam em suas esferas de abrangências; a sinergia entre as duas atividades e seus produtos gera um limiar difícil, pois a tecnologia e a ciência contribuem mutuamente para o desenvolvimento uma da outra, mas não são a mesma coisa. A escrita por exemplo é uma tecnologia, e usamos para produzir ciência, que proverá conhecimentos para serem aplicados em novas tecnologias. O estudo dessas relações ainda inclui a sociedade sendo uma disciplina acadêmica conhecida como ciência, tecnologia e sociedade (você pode encontrar pesquisando os três termos nesta sequência).
No tocante aos conceitos, um modo prático.
Passaríamos a vida inteira falando sobre um só conceito e ainda não esgotaria o tema. Em resumo, sobre o que falamos:
Se é uma atividade descritiva através do método científico ou é o conhecimento resultante dessa atividade (conhecimento explícito), se encaixa na definição geral de ciência.
Se é uma atividade de desenvolvimento de técnicas ou o produto tangível dessa atividade, então temos algo que se encaixa em tecnologia.
Críticas? Sim, são bem-vindas.
Referências
1) Antonio Gramsci. Cadernos do Cárcere – Caderno nº 11 – III. A ciência e as ideologias científicas. (1932-1933) Pag. 176
2) Idem. Pag. 172
Original: Ciência vs Tecnologia
Ciência funciona? Funcionar é critério de verdade?