Duas Visões da Biologia: Estruturalismo versus Funcionalismo

Evolution: Still a Theory in Crisis
Evolution: Still a Theory in Crisis, livro de Michael Denton

por Michael Denton

Quanto à natureza fundamental da configuração orgânica, os biólogos têm por dois séculos aderido a duas concepções opostas. Uma é referida como estruturalismo, ou formalismo, e a outra como funcionalismo. Abordarei ambos brevemente.

De acordo com o paradigma estruturalista, uma fração significativa da ordem da vida e de todos os organismos é o resultado de restrições internas básicas ou fatores causais decorrentes das propriedades físicas fundamentais dos sistemas biológicos e da biomatéria. Em outras palavras, essas restrições não surgem como adaptações para satisfazer fins particulares funcionais. Um dos exemplos mais simples deste tipo de ordem, “ordem estrutural”, é a membrana da célula, que se organiza em uma camada fina que cobre a superfície da célula, devido inteiramente ao carácter hidrofóbico dos seus componentes lipídicos – isto é, devido a lei física – independentemente de qualquer fim funcional pode servir [1].

Essas restrições internas, ou “leis de configuração biológica”, como eram referidas no século 19, foram supostas por muitos biólogos antes de Darwin de modo limitar a forma com que os organismos são construídos em alguns projetos básicos ou tipos, assim como as leis de configuração química ou as limitações de configuração cristalinas de substâncias químicas em um finito conjuntos de formas possíveis. Esta visão implica que muitas das formas básicas da vida surgem da mesma forma como acontece com outras formas naturais – em última análise, a partir da auto-organização da matéria – e são universais genuínos.

Claro, todos os estruturalistas aceitam que os organismos exibem as adaptações para servir as condições ambientais externas. Mas estes foram considerados como “máscaras” adaptativas enxertadas, como se fossem para planos básicos ou “padrões primários subjacentes .” Assim, a grande diversidade dos membros de vertebrados – nadadeiras para a natação, as mãos para agarrar, asas para voar -, são todas modificações do mesmo plano ou padrão subjacente, que não serve para nenhuma necessidade particular do ambiente.

De acordo com o paradigma adversário, muitas vezes referido como funcionalismo, o principio fundamental de organização da biologia é a adaptação para servir a vários fins funcionais. Deste ponto de vista as principais homologias que definem o tipo (membros de Pentadactyl, etc.) não são resultados de leis físicas. Ao contrário, os funcionalistas veem os homólogos como resultado de adaptações construídas pela seleção cumulativa durante o curso da evolução para atender determinadas restrições ambientais. Adaptações construídas desta forma são contingentes no sentido de que elas não são determinadas por leis naturais. De acordo com a visão funcionalista, os organismos são, em essência – assim como máquinas -, agrupamentos de partes funcionais contingentes dispostas a servir a fins adaptativos particulares.

Isto é,  claro, o ponto de vista e que prevalece atualmente na corrente principal (mainstream). Todos os darwinistas e, portanto, a grande maioria dos biólogos evolutivos, são funcionalistas, por definição[2], como toda a evolução de acordo com o darwinismo clássico vem de seleção cumulativa para atender fins funcionais.

É difícil imaginar dois quadros científicos diametralmente opostos como o estruturalismo e o funcionalismo. Onde o estruturalismo propõe um modelo internista do nexo de causalidade, o funcionalismo propõe um modelo causal externalista. É extraordinário pensar que os principais biólogos tem visto exatamente os mesmos fatos empíricos como se estivessem apontando em tais direções muito diferentes[3].

O mundo anglófono adere a alguma versão do funcionalismo por tanto tempo que é inconcebível para a maioria dos biólogos que falam Inglês que as coisas vivas possam conter algum grau significativo de ordem que surge a partir das restrições físicas básicas internas e que não poderiam ser o resultado direto de qualquer tipo de processo adaptativo. E, não há dúvida, que a alegação estruturalista – que o reino biológico é amparada pelos planos básicos “como cristais” ou padrões primitivos especificados nas leis da natureza,  não sirvam para nenhum propósito específico externo adaptativo e nunca serviram (embora as máscaras adaptativas construídas sobre eles certamente sirvam)[4] – é muito estranha a biologia de anglófona.

Mas isso é precisamente o que eu acho que a evidência na natureza indica. Em “Evolution: Ainda uma teoria em crise”, eu cito vários exemplos de estruturas não-adaptativas, incluindo alguns dos planos de básicos, tais como o membro do Pentadactyl e o plano corporal de insetos. Se estou correto, e estes exemplos são fundamentalmente as formas não-adaptativas, eles fornecem um desafio existencial para a evolução darwiniana.

Padrões profundos na natureza que são não-adaptativos estão completamente fora do alcance de mecanismo da seleção natural de Darwin e necessitam postulação de novos mecanismos causais além de somente narrativas históricas e contingências de percurso. Eu sugiro que é hora de repensar o modelo pré-darwiniano da vida e a alegação estruturalista radical que a vida é uma parte integrante da natureza.


Notas

[1] Você concordou até aí, provavelmente vai concordar também com o outro ponto de vista. É da natureza das correntes filosóficas que sustentam a ciência um embate permanente. Depois de analisar as duas correntes antagônicas a tendência é se aceitar a dominante pela coerência interna.

[2] A visão funcionalista da “forma segue função” apesar de mais coerente bate de frente com a geração de nova informação prescritiva. Assim como a atração gravitacional tende para o centro de maior massa, assim as funções estabelecidas tendem a não “varrer” muito longe do espaço de busca por novas funções.

[3] A filosofia, como eu sempre disse, lança as questões, estabelece os limites, pavimenta o caminho para a ciência. Ainda há vários outros trabalhos sobre as correntes divergentes principais e isso somente na biologia.  Veja o excelente artigo de Derek Gatherer sobre Holismo versus Reducionismo (neo-lamarckismo, vitalismo, etc) desde o século XIX aqui.

[4] Essa visão de que “as estruturas básicas não servem a adaptação alguma” é muito mais coerente com o materialismo ingênuo, porém o funcionalismo alcança força irresistível a partir do “sucesso reprodutivo diferencial”, também conhecida como seleção natural.

[Original] Two Views of Biology: Structuralism vs. Functionalism
http://www.evolutionnews.org/2016/02/two_views_of_bi102565.html

[Livro] Evolution: Still a Theory in Crisis
https://www.createspace.com/5972354


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