Uma das características fundamentais do design é a especificidade, isso é, a propriedade de ser específico. Isso faz com que os padrões de design sejam discretos¹, em especial estruturalmente. Por ser direcionado a um objetivo, o design não pode mudar indefinidamente para longe de seu escopo. Todas as variedades de design estão adjacentes ao que podemos chamar de “ilhas” em um espaço de possibilidades.
Uma bicicleta e uma moto², por exemplo, apesar das semelhanças e os mesmos princípios, não há uma continuidade possível de ligeiras mudanças entre os dois objetos, uma sucessão de estados funcionais intermediários. É possível encontrar continuidade entre as variedades de um mesmo design, mas não entre designs distintos. Enquanto objetos humanos são simples e possuem limites claros, os seres vivos são muito complexos e possuem limites obscuros. Ainda assim é possível observar descontinuidade estrutural nos organismos.
Alguns casos são mais drásticos, como a origem da consciência e linguagem humana, origem dos planos corporais, origem da multicelularidade, origem do sexo, entre outros. Nestes casos, o discurso distorce os elementos existentes: as características em questão são atenuadas ou acentuadas conforme favoreçam a continuidade. Por exemplo, passa a se complexificar³ o que é simples e simplificar o que é complexo. Isso envolve desde exagerar na relevância de alguns dados quanto ignorar ou subestimar outros. A caricatura resultante desta estratégia faz a distância entre os pontos parecer menor. A continuidade passa a ser mais plausível.
A expectativa de uma teoria evolutiva é uma sucessão de passos intermediários entre as formas de design biológico que vemos hoje, por isso é necessário atenuar a descontinuidade abrupta e trabalhar com imaginação para reduzir a distância entre as formas de vida. Coisas como “macaquizar” o homem e humanizar os chimpanzés, atribuir “multicelularização” a colônias de algas (todo ano fazem isso), simplificar os passos iniciais da origem da vida, entre outras coisas.
Enfim, aqueles limites obscuros dos sistemas biológicos são o cenário ideal para especulações. Porém, quanto mais sabemos, mais descontinuidades descobrimos. Chamam essas descontinuidades de “problemas” dentro da perspectiva evolutiva, mas se o design fosse verdade, isso seria normal. Isso é normal. Segue que o design é verdade.
Nota¹: o termo discreto se refere ao que não é contínuo, na mesma acepção é usado na matemática para se referir a “unidades distintas” e na linguística a unidades da fala sem gradação ou continuidade com outras unidades.
Nota²: a analogia entre a bicicleta e a moto é forte apenas na distribuição de padrões de design que as faz semelhantes. Apesar delas não apresentarem a dinâmica que a vida possui, não representam um desafio tão difícil quanto as transições biológicas.
Nota³: o termo complexificar não parece ter uma acepção única em português ou mesmo em inglês, há um livro de 1972 com o título parecido com o deste texto: Simplifying the Complex and Complexifying the Simple. O significado parece óbvia ao senso comum, mas esta nota é precaução por ser um neologismo.
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