Observação: As referências feitas ao conteúdo popular (Wiki’s) se devem ao fato da divulgação ser direcionada a público leigo. Há conteúdo especial em Informação Suplementar.
Uma notícia agitou as páginas esta semana. A razão? A empolgação toda foi causada por uma publicação na prestigiada Nature que teria demonstrado a origem da multicelularidade. “De novo origins of multicellularity in response to predation”, ou seja, “As origens repentinas da multicelularidade em resposta à predação”. O termo de novo é usado em biologia nesse caso para indicar algo que não é derivado, mas original.
Segundo o artigo, algas unicelulares (Chlamydomonas reinhardtii) sob pressão seletiva de predação (introduziram um predador unicelular, Paramecium tetraurelia) desenvolveram a multicelularidade em duas de cinco populações. Isso em apenas 50 semanas (pouco menos que um ano), o que equivale a aproximadamente 750 gerações desta alga.
O artigo começa de uma forma muito interessante:
Quase toda a vida macroscópica é multicelular. Como Leo Buss enfatizou em A Evolução da Individualidade, a própria existência de organismos multicelulares integrados é um resultado de processos evolutivos, não uma condição inicial.
Ou seja, a conclusão já está na mesa, agora é só encaixar a hipótese seja lá o que tenha acontecido. E é acrescida uma declaração evolutiva clássica:
Parece, de fato, ser um resultado comum: organismos multicelulares evoluíram de ancestrais unicelulares dezenas de vezes.
A ciência evolutiva é a única que usa esse raciocínio: a explicação se torna mais plausível a medida que mais problemas semelhantes aparecem: “se é comum, então a hipótese sobre isso é verdadeira”. Ao invés de se considerar os novos problemas, se atribui mais certeza, como se a ignorância adicional fosse uma evidência especial.
Outro ponto interessante é que o conceito de multicelularidade não se aplica a esse caso ou qualquer outro caso já reproduzido em laboratório. O que eles fizeram, caso possa ser considerado, é a formação de agregados denominados “pluricelulares”. Acontece que o público leigo dificilmente vai compreender o abismo que existe entre pluricelularidade e multicelularidade. Isso passa a ideia de que um problema tão imenso foi superado ao se simplificar o que é complexo.
A pessoa que pesquisar na Wikipedia, por exemplo, pode encontrar as duas versões: em português o organismo multicelular é formado por células sem constituírem tecidos em contraste com os pluricelulares, que formariam tecidos e outras interações mais complexas. Já na Wikipedia em inglês é exatamente o contrário: os organismos pluricelulares são os que formam essas “colônias”, “agregados”, “filamentos” e são os multicelulares que desenvolvem tecidos e outras interações mais complexas. E… a Wikipedia em inglês está baseada em referências.
Na Informação Suplementar fica claro que o termo multicelularidade não é usado para agregados. Praticamente todos os artigos reforçam a posição de que agregados são “pluricelulares”. O artigo na Nature foi propositalmente ou incompetentemente intitulado assim, uma propaganda enganosa ou uma confusão. E isso se repete sendo divulgado todos os anos (2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 (Forbes) e 2019). Sempre o mesmo chove e não molha.
Agora, vamos supor que eles almejam alcançar a multicelularidade mesmo.
O Problema da Multicelularidade
Em primeiro lugar: um organismo multicelular não pode ser formado por aglomeração de seres unicelulares. Isso independente da teoria que for considerada. Um organismo multicelular está baseado em um programa único que dá origem, distribui e especializa cada unidade celular. Esse é o ciclo da vida multicelular e esse ciclo tem esse “gargalo”. Qualquer proposta deve passar por ele.
Em animais, por exemplo, essa unidade está no zigoto. Todas as células de um organismo multicelular são produto de/e participam de um mesmo programa que começa com a formação desta “semente”. Nele todas as determinações e todos os desdobramentos já estão definidos. Os olhos que você usa para ler estas linhas agora já estavam determinados nele seja em cor, seja em forma, seja na posição que estão em seu rosto, dentre outras milhares de variáveis. O processo de desenvolvimento orgânico multicelular é o programa mais complexo existente conhecido. Mesmo em organismos simples, como a C. elegans (um nematoide com apenas cerca de 1000 células), o desenvolvimento lança sombra em nossas criações. Isso pode ser visto no documentário de Paul Nelson.
O Verdadeiro Livre Pensamento
Em meio ao mar de comentários extasiados, apenas uma menina fez um comentário lúcido e questionou a notícia:
Eu tenho uma dúvida: nesse caso, como eles diferenciaram essas algas de estarem formando um organismo multicelular de estarem formando simplesmente uma forma de colônia? Como diferenciaram um ser multicelular de uma colônia de seres unicelulares, por exemplo?
Enquanto os “livres pensadores” exultavam a “vitória sobre a ignorância”, e comentavam seus “Darwin Vive!”, a única coisa que ela queria saber era como isso funciona. Ainda há esperança.
Abaixo estão as informações suplementares para consulta.
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