Por Que o Design nas Coisas Vivas Vai Muito Além das Nossas Máquinas?

René Descartes (1596-1650) é sempre lembrado pelo seu mecanicismo.

Por Jonathan Wells

O filósofo francês do século XVII René Descartes concebeu os seres vivos como máquinas complexas, um conceito hoje conhecido como “metáfora da máquina”. Em 1998, Bruce Alberts (então presidente da Academia Nacional de Ciências dos EUA) escreveu que “toda a célula pode ser vista como uma fábrica que contém uma rede elaborada de linhas de montagem interligadas, cada uma das quais é composta de um conjunto de grandes máquinas de proteína.”1

Em Salvo 20, Casey Luskin escreveu sobre como essas máquinas representam um problema para a evolução não guiada e fornecem evidências para o design inteligente (DI).2 Luskin focou em três máquinas moleculares em particular:

  1. A ATP sintase, que opera como um motor rotativo, recarrega moléculas de trifosfato de adenosina (ATP), que por sua vez fornecem energia para praticamente todas as funções de uma célula viva.
  2. A cinesina, que corre ao longo de fibras microscópicas chamadas microtúbulos, transporta cargas por toda a célula.
  3. O ribossomo, que é uma combinação de proteínas e RNAs, traduz o RNA mensageiro (que é transcrito do DNA) em proteínas.

Estas são apenas algumas das muitas centenas de máquinas moleculares que foram identificadas em células vivas.

Luskin argumentou que as máquinas moleculares complexas, que funcionam apenas após todas as suas partes estarem no lugar, não poderiam ter sido produzidas por evolução não dirigida, mas apenas por uma inteligência direcionada por objetivos. Em outras palavras, as máquinas moleculares fornecem evidências para o design inteligente.

Às vezes a metáfora sai pela culatra

Charles Darwin chamou sua teoria da evolução de “descendência com modificação” e insistiu que o processo não era direcionado. Algumas pessoas tentaram usar a metáfora da máquina para ilustrar a evolução, mas seus esforços deram errado. Em 1990, o biólogo Tim Berra publicou um livro intitulado Evolução e o Mito do Criacionismo,  que incluía fotografias de alguns automóveis. Berra escreveu: “se você comparar um Corvette de 1953 e um de 1954, lado a lado, então um modelo de 1954 e 1955, e assim por diante, a descendência com modificação é extremamente óbvia.” 3 Desde que os automóveis são projetados, a série de Corvettes na verdade ilustrou muito mais o design do que uma evolução não guiada. Em 1997, Phillip E. Johnson, crítico do darwinismo e defensor do design inteligente, chamou isso de “erro de Berra”.4

Em 2014, três engenheiros publicaram um artigo no Journal of Applied Physics, comparando a evolução dos aviões à evolução dos animais. Segundo os autores, “Evolução significa uma organização de fluxo (design) que muda com o tempo”, e eles argumentaram que os animais e “as espécies de humanos e máquinas” (aviões) “evoluíram da mesma maneira”.5 Mas mais uma vez, a comparação entre máquinas e seres vivos implicava design ao invés de evolução não direcionada.

De acordo com os filósofos pró-evolução Massimo Pigliucci e Maarten Boudry, a metáfora da máquina deveria ser abandonada por completo. Em 2010, eles escreveram: “Os criacionistas e seus herdeiros modernos do movimento do Design Inteligente estão ansiosos para explorar metáforas mecânicas para seus próprios propósitos”. Então, “se quisermos manter o Design Inteligente fora da sala de aula, não apenas temos que excluir a ‘teoria’ do currículo de biologia, mas também temos que estar cansados [sic] de usar metáforas científicas que amparam equívocos da semelhança de projeto com sistemas vivos.” Pigliucci e Boudry concluem que, uma vez que as metáforas de máquinas “terem sido água no moinho do Criacionismo/DI, fomentando intuições de design e outros equívocos sobre os sistemas vivos, achamos que é hora de dispensá-las completamente.”6

Organizado de dentro pra fora

Mas há razões melhores para termos cautela com a metáfora da máquina do que querer manter o design inteligente fora da sala de aula. O filósofo alemão do século XVIII Immanuel Kant apontou que uma máquina é organizada por um agente externo de fora para dentro, enquanto uma coisa viva se organiza de dentro para fora. Kant escreveu que uma coisa viva “não é uma mera máquina, pois essas tem apenas poder em movimento, mas possui em si mesma um poder formativo de um tipo que se autopropaga e se comunica com seus materiais, que embora não tenham isso em si mesmos; organiza-os”. 7

Segundo o filósofo da biologia Daniel Nicholson, “apesar de algumas semelhanças interessantes, organismos e máquinas são tipos fundamentalmente diferentes de sistemas … os primeiros são intrinsecamente intencionais, enquanto os últimos são extrinsecamente intencionais.” Assim, a metáfora da máquina “falha em fornecer uma compreensão teórica apropriada sobre o que os sistemas vivos são”.8

A bióloga (e defensora do design inteligente) Ann Gauger escreveu que “a metáfora da máquina falha”, em parte, porque os organismos vivos são “seres causalmente circulares”.9 Não apenas as novas células requerem células existentes, mas também muitas vias biossintéticas requerem molécula que está sendo sintetizada. Por exemplo, a biossíntese do aminoácido cisteína requer uma enzima que contenha cisteína.10 Sem cisteína, uma célula não pode produzir cisteína. Similarmente, a ATP sintase consiste em mais de meia dúzia de subunidades proteicas, cada uma das quais requer ATP para sua biossíntese.11 Em outras palavras, o ATP é necessário para produzir o motor molecular que produz o ATP.

Assim, a metáfora da máquina é inadequada como uma descrição dos organismos vivos. Então, o que acontece com a inferência ao design a partir de máquinas moleculares? A inferência ainda é justificada, porque a metáfora da máquina é apropriada para estruturas isoladas, como a ATP sintase, a cinesina e o ribossomo. Cada um deles consiste em várias partes que são precisamente organizadas por uma célula para utilizar energia para executar uma função específica (que é como a “máquina” é geralmente definida). Nenhum deles pode executar suas funções se partes estiverem ausentes ou organizadas incorretamente. Eles apontam para o design inteligente tanto quanto para máquinas feitas por humanos.

Design inspirador

Um organismo, no entanto, em contraste com uma estrutura isolada, reorganiza suas partes ao longo do tempo. Um organismo impõe organização sobre os materiais que abrange, e sua organização muda ao longo de seu ciclo de vida.

Para ver como isso é notável, imagine uma máquina familiar para a maioria de nós: um laptop. Se um computador laptop fosse uma planta ou animal, ele começaria como um protocomputador que consistia em talvez alguns transistores, um pouco de memória com algum software e uma bateria em uma pequena placa de circuito. Então, ele obteria materiais de seus arredores para fabricar outros componentes e tornaria sua placa de circuito maior e mais complexa. Ao longo do caminho, encontraria maneiras de recarregar sua própria bateria. Também escreveria mais programas. Depois de atingir a maturidade, o laptop executaria seus programas sozinho – imagine as teclas do teclado subindo e descendo como se pressionadas por um dedo invisível. Se os componentes estiverem danificados, o computador poderá repará-los ou substituí-los enquanto continua a operar. Eventualmente, o computador iria fabricar um ou mais protocomputadores da mesma forma.

Um monte de design é necessário para os laptops. Quanto mais design teria que ser concebido para construir um computador laptop que pudesse fazer todas as coisas listadas acima? Ninguém sabe. Mas tal computador certamente exigiria mais design, não menos. E o design seria radicalmente diferente do design humano, porque, após a origem do protocomputador, o design seria intrínseco e não extrínseco.

Assim, a inferência para o design de máquinas moleculares é robusta, mas é apenas o começo. Há um design nos seres vivos que transcende em muito a metáfora da máquina – e deve inspirar admiração.


Original: Jonathan Wells. Why the Design in Living Things Goes Far Beyond Machinery. February 15, 2019.

Notas

  1. Bruce Alberts, “The Cell as a Collection of Protein Machines: Preparing the Next Generation of Molecular Biologists,” Cell 92:291 (1998)
  2. Casey Luskin, “Biomechanics: Isn’t the Intricacy of Ubiquitous Molecular Machines Evidence for Design?” Salvo 20 (2012), 52-54.
  3. Tim Berra, Evolution and the Myth of Creationism (Stanford University Press, 1990), 117-119.
  4. Phillip E. Johnson, Defeating Darwinism by Opening Minds (Intervarsity Press, 1997), 62-63.
  5. Adrian Bejan et al., “The evolution of airplanesJournal of Applied Physics 116:044901 (2014).
  6. Massimo Pigliucci and Maarten Boudry, “Why Machine-Information Metaphors are Bad for Science and Science Education,” Science & Education (June 11, 2010).
  7. Immanuel Kant, The Critique of Judgement (Kritik der -Urteilskraft), trans. J. H. Bernard (Macmillan, 1914).
  8. Daniel Nicholson, “The Machine Conception of the Organism in Development and Evolution: A Critical Analysis,” Studies in History and Philosophy of Biological and Biomedical Sciences 48B (2014), 162-174.
  9. Ann Gauger, “Life, Purpose, Mind: Where the Machine Metaphor Fails,” Evolution News & Views (June 1, 2011).
  10. Ruma Banerjee et al., “Reaction mechanism and regulation of cystathionine beta-synthase,” Biochimica et Biophysica Acta 1647 (2003), 30-35 (abstract only). Alexander Schiffer et al., “Structure of the dissimilatory sulfite reductase from the hyperthermophilic archaeon Archaeoglobus fulgidus,” Journal of Molecular Biology 379 (2008), 1063-1074.
  11. Robert K. Nakamoto et al., “The Rotary Mechanism of the ATP Synthase,” Archives of Biochemistry and Biophysics 476 (2008), 43-50.

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