Tradução: Eskelsen, Saulo Reis e Everton F Alves e publicado em 6 de Abril de 2015.
Original: Rose-Colored Glasses: Lenski, Citrate, and BioLogos
Michael Behe tornou-se um ás na análise das transformações funcionais em organismos a nível molecular. Behe lembra Olsthoorn e van Duin (1996) como ganho funcional real e van Duin(novamente) e Licis(2006) sobre aumento de capacidade funcional. Esses e outros foram inclusos em seu livro Edge of Evolution e em seu artigo Experimental Evolution, Loss-of-function Mutations, and “The First Rule of Adaptive Evolution.”
Os leitores das minhas postagens sabem que eu sou um grande fã do professor Richard Lenski, um microbiologista da Michigan State University e membro da Academia Nacional de Ciências dos EUA. Nos últimos anos, ele vem realizando o maior experimento de laboratório já empreendido em evolução. Pelo cultivo de E. coli em frascos de maneira contínua, ele vem acompanhando as mudanças evolutivas na bactéria por mais de 50.000 gerações (o que equivale a cerca de um milhão de anos para animais de grande porte). Embora Lenski não seja decididamente um defensor do Design Inteligente, seu trabalho nos habilita a perceber o que a evolução realmente faz quando se tem recursos de um grande número de organismos ao longo de uma quantidade substancial de gerações. Ao invés de especular, Lenski e seus colegas observaram o funcionamento da mutação e da seleção. Por isso, os proponentes do DI deveriam ficar muito gratos.
Em um manuscrito publicado há alguns anos no Quarterly Review of Biology (Behe 2010), eu discuti os resultados de laboratório da evolução das últimas quatro décadas até aquele ponto, incluindo os de Lenski. Seu laboratório mostrou claramente que mutação aleatória e seleção melhoraram a bactéria com o tempo, como foi avaliado pelo número de descendentes que ela conseguiria produzir em um dado momento. Ele demonstrou sem dúvida que existem mutações benéficas e elas podem se espalhar rapidamente numa população de organismos. Contudo, uma vez que o laboratório de Lenski identificou eventualmente algumas mutações no nível de DNA (que é uma tarefa difícil), muitas das mutações benéficas acabaram por ser, surpreendentemente, degradantes. Em outras palavras, quebraram ou deletaram alguns genes pré-existentes ou elementos regulatórios genéticos de modo que eles não funcionassem mais, na verdade, ajudou o organismo nas condições em que foi cultivado. Outras mutações benéficas alteraram genes pré-existentes ou elementos regulatórios de alguma forma.
O que notavelmente não foi visto em seu trabalho foram mutações benéficas que resultassem da construção do que eu apelidei de novos “Elementos Funcionais Codificados”(no inglês, Functional Coded elemenTs, “FCTs“). A grosso modo, o FCT é uma sequência de DNA que afeta a produção ou o processamento de um gene ou de um produto do gene (ver minha crítica para uma definição mais rigorosa). Em suma, melhorias são feitas quebrando genes existentes, ou alterando-os de maneira leve, mas não fazendo novos genes ou novos elementos regulatórios. A partir dessas informações, eu formulei “A Primeira Regra da Evolução Adaptativa”: quebrar ou atenuar qualquer elemento funcional codificado cuja perda renderia um ganho líquido de adaptação. Para dizer o mínimo: a Primeira Regra não é o que você esperaria de um processo tal como a evolução darwiniana, que é apresentada como sendo capaz de construir uma maquinaria molecular incrivelmente sofisticada.
Antes da minha crítica ser publicada, o laboratório de Lenski observou uma deformação mutante nos experimentos que conseguia metabolizar citrato na presença de oxigênio, o que a E. coli não mutante não conseguia fazer(Blount et al., 2008). É importante notar, no entanto, que a bactéria consegue metabolizar citrato na ausência de oxigênio. Isto permitiu que a bactéria mutante levasse a melhor sobre suas parentes, porque o meio de crescimento continha uma grande quantidade de citrato, bem como oxigênio. Foi um resultado intrigante e foi apontado como uma grande inovação, mas naquele momento o laboratório de Lenski não foi capaz de rastrear em nível de DNA as mutações exatas que causaram a mudança.
+ Citrato
Agora eles tem os dados. Em uma publicação recente na Nature (Blount et al., 2012) eles relatam que múltiplas mutações conferem e aumentam a capacidade de transporte de citrato numa atmosfera contendo oxigênio. Eles dividem as mutações conceitualmente em três categorias:
1) potenciação;
2) atualização; e
3) refinamento.
“Atualização” é o nome que eles dão para a mutação que confere uma habilidade fraca para o transporte de citrato no laboratório E. coli (ocorre em bactérias onde falta apenas uma proteína de transporte de citrato para dentro da célula na presença de oxigênio; todas as outras enzimas necessárias para metabolizar mais citrato já estão presentes.) O gene para o transportador de citrato, citT, que funciona na ausência de oxigênio, é diretamente o montante dos genes para duas outras proteínas que possuem promotores que são ativos na presença de oxigênio. Uma duplicação de um segmento desta região acidentalmente colocou o gene citT próximo a um destes promotores, de modo que o gene citT poderia então ser expresso na presença de oxigênio. A duplicação de genes é um tipo de mutação que é conhecida por ser bastante comum, de modo que este resultado, embora exija um grande esforço de investigação cuidadosa para se definir, não é surpreendente.
Ao longo do tempo a mutante tem melhor utilização de citrato, o que os autores chamaram de “refinamento”. Muitos estudos mostraram que isso foi devido a múltiplas duplicações da região gênica mutante, acima de 3-9 cópias. Mais uma vez, a duplicação de genes é um processo bastante comum, portanto, não é de se estranhar. Noutro experimento Lenski e colaboradores mostraram que o aumento da concentração do gene transportador de citrato é suficiente por si só para explicar a maior capacidade de E. coli crescer em citrato. Não foram necessárias outras mutações.
Potencialização e a mutação desconhecida
A parte mais misteriosa de todo o processo é do grupo chamado “potencialização”. Ocorre que as E. coli originais que começaram há décadas atrás não poderiam se beneficiar da duplicação de genes que reuniu um gene citT com um promotor tolerante ao oxigênio. Antes disso, uma mutação preliminar tinha de ocorrer na bactéria em outro lugar em vez da região contendo os genes do metabolismo de citrato. Qual exatamente era mutação era Lenski e seus colaboradores não foram capazes de determinar. No entanto, eles examinaram a bactéria por mutações que poderiam contribuir para a potenciação e especularam que “uma mutação em arcB, a qual codifica uma histidina quinase, é notável porque desativa o gene que causa a supra regulação do ciclo de ácido tricarboxílico.” (Eles tentaram mas foram incapazes de testar essa hipótese). Em outras palavras, a “potenciação” pode envolver a degradação de um gene não relacionado.
O laboratório de Lenski fez uma imenso e cuidadoso trabalho e merece muitos elogios. No entanto, a questão que vale 64 mil dólares é, o que é que os resultados mostram sobre o poder do mecanismo darwiniano? A resposta é, eles não mostram que ele seja capaz de qualquer coisa além daquilo que já era conhecido. Por exemplo, em minha revisão sobre os experimentos evolutivos laboratoriais eu discuti o trabalho de Zinser et al. (2003), onde uma seqüência de rearranjos trouxe um promotor próximo a um gene que faltava. Eu também discuti experimentos como os de Licis e van Duin (2006), onde múltiplas mutações sequenciais aumentaram a capacidade de um FCT. Apesar dos resultados visualmente surpreendente de Lenski – onde um frasco normalmente claro tornou-se muito nebuloso com o crescimento excessivo de bactérias em citrato – à nível molecular não surgiu nada novo.
Venema & BioLogos
Outra pessoa que segue de perto os resultados de Lenski é Dennis Venema, professor associado do Departamento de Biologia da Trinity Western University e membro da função BioLogos. Fundada por Francis Collins, a BioLogos defende a compatibilidade da ciência darwiniana e teologia cristã. Eu concordo que o mecanismo darwiniano (corretamente entendido) é teoricamente compatível com a teologia cristã. No entanto, eu também acho que o darwinismo é insuficiente em termos científicos. Uma grande parte dos escritores da BioLogos acham que é adequado e tentam defendê-la contra os céticos do darwinismo, mais especificamente contra os defensores do Design Inteligente como eu.
Em várias postagens na BioLogos o Professor Venema compara os resultados atuais do trabalho com citrato de Lenski aos argumentos que eu tinha feito em minha publicação na Quarterly Review of Biology e no meu livro de 2007, The Edge of Evolution. Considerando que eu tinha argumentado que havia um limite para o número de mutações não selecionadas (prejudiciais ou neutras) que nós podemos esperar, de maneira razoável, para que um processo darwiniano não direcionado tenha à sua disposição na construção de um sistema complexo, Venema acha que o trabalho recente de Lenski demonstrou que esse limite foi excedido. Além disso, enquanto eu tinha apontado que nenhuma das mutações observadas no trabalho de Lenski até a data da revisão teria sido um ganho de FCT, Venema escreveu que as mutações publicadas recentemente sobre citrato constituíam tal característica.
Resposta de Behe
Discordo em ambos os casos. A duplicação de genes que trouxe um promotor tolerante a oxigênio para perto do gene citT não fez qualquer novo elemento funcional. Em vez disso, ele simplesmente duplicou recursos existentes. Os dois FCTs que compõem o lócus transportador de citrato tolerante a oxigênio – o promotor e o gene – eram funcionais antes da duplicação e continuaram funcionais depois. Eu tinha escrito em minha publicação que um tipo de mutação que poderia ser classificada como um ganho de FCT seria uma duplicação de genes com posterior modificação da sequência, permitindo que o gene se especialize em alguma tarefa. Venema acha que a mutação observada por Lenski é um evento como esse.
Ele ignorou o fato de que não houve modificação subsequente na sequência; um segmento de DNA, simplesmente duplicado paralelamente, unindo duas FCTs pré-existentes. (É verdade que a sequência da proteína codificada pelo gene duplicado inclui um fragmento de um dos genes próximos, mas não há nenhuma evidência nem razão para acreditar que o fragmento fundido é necessário para a atividade da proteína.) Na minha publicação eu classifico isso como um evento de modificação de função. Um exemplo de um verdadeiro ganho de FCT por duplicação citado em minha publicação foi o trabalho de Olsthoorn e van Duin (1996), onde a duplicação de 14 nucleotídeos levou à formação de novos elementos codificados funcionais (não simplesmente repetindo elementos preexistentes), por isso não é simplesmente uma mutação de modificação-de-função. A mutação para citrato não fez nada disso.
Venema conta o número de mutações necessárias para conseguir a função de importação de citrato plenamente funcional na obra de Lenski e chega a mais ou menos uma meia dúzia. Infelizmente, muitas dessas são duplicações paralelas de fracos transportadores citT, que são claramente selecionáveis, mutações benéficas. Para chegar aos limites do darwinismo, enfatizei que esse mecanismo teria certamente que funcionar se mutações benéficas gradualmente, e de forma incremental(em série), pudessem fazer o trabalho. Assim, essas mutações não contam na estimativa do limite. Somente mutações deletérias e neutras necessárias contam contra o limite para a evolução darwiniana.
O ceticismo otimista
Venema argumenta que talvez toda a biologia funcional complexa poderia ser alcançada por mutações benéficas graduais. Bem, abençoado seja seu coração otimista, mas os dados não nos dão nenhuma razão para pensar que pela razão de aumentar gradualmente uma proteína na atividade celular total por duplicação sequencial do gene seja sucessivamente benéfica, todas as rotas para sistemas complexos que envolvem vários elementos distintos vão ser. Muito pelo contrário, como afirmei muitas vezes.
O professor Venema também conta várias mutações “potencializadoras”, como que contribuindo para o sistema. Infelizmente, o que quer que essas mutações sejam, eles não são parte do próprio sistema metabólico do citrato. Em vez disso, eles estão em grande parte no plano de fundo genético. Se as especulações de Lenski e seus colegas de trabalho estiverem corretas (Blount et al. 2012), pelo menos uma das mutações potencializadoras degradou um gene relacionado e, portanto, em si conta como uma mutação de perda de FCT. Ao contar as mutações que contribuem para o limite da evolução na construção de um dado recurso apenas as diretamente envolvidas no recurso são contadas, não aquelas que contribuem indiretamente para um plano de fundo genético receptivo (que são em grande número).
Conclusão
Assim, ao contrário Venema, eu conto talvez três ou quatro mutações – a duplicação inicial colocando o promotor tolerante a oxigênio perto do gene citT, além de várias rodadas de duplicação daquela região. Todas as mutações são de modificação-de-função no sistema de classificação que eu descrevi. Devo acrescentar que não há nenhuma razão para pensar que os processos darwinianos não podem produzir mutações de ganho de FCT, e eu revisei vários desses eventos. Mas eles estão em grande desvantagem numérica em relação as perdas de FCT e modificações de função por mutações benéficas.
No meu ponto de vista, num retrospecto, o aspecto mais surpreendente da mutação da citT tolerante a oxigênio foi que ela se mostrou muito difícil de alcançar. Se antes do trabalho de Lenski ser feito alguém tivesse esboçado para mim um desenho animado da duplicação original que produziu essa mudança metabólica, eu teria assumido que seria suficiente um único passo para alcançá-la. O fato é que isso foi consideravelmente mais difícil e serve pra que mostrar que mesmo os céticos como eu superestimam o poder do mecanismo darwiniano.
Referências
Barrick,J.E., Yu,D.S., Yoon,S.H., Jeong,H., Oh,T.K., Schneider,D., Lenski,R.E., and Kim,J.F. 2009. Genome evolution and adaptation in a long-term experiment with Escherichia coli. Nature 461:1243-1247.
Behe,M.J. 2010. Experimental Evolution, Loss-of-function Mutations, and “The First Rule of Adaptive Evolution.” Q. Rev. Biol. 85:1-27.
Behe,M.J. 2007. The Edge of Evolution: the Search for the Limits of Darwinism. Free Press: New York.
Blount,Z.D., Borland,C.Z., and Lenski,R.E. 2008. Historical contingency and the evolution of a key innovation in an experimental population of Escherichia coli. Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A 105:7899-7906.
Blount,Z.D., Barrick,J.E., Davidson,C.J., and Lenski,R.E. 2012. Genomic analysis of a key innovation in an experimental Escherichia coli population. Nature 489:513-518.
Licis,N. and van,D.J. 2006. Structural constraints and mutational bias in the evolutionary restoration of a severe deletion in RNA phage MS2. J. Mol. Evol.63:314-329.
Olsthoorn,R.C. and van Duin,D.J. 1996. Evolutionary reconstruction of a hairpin deleted from the genome of an RNA virus. Proc. Natl. Acad. Sci. U. S. A93:12256-12261.
Venema,D. 2012. Behe, Lenski and the “Edge” of Evolution, Part 1: Just the FCTs, Please. The Biologos Forum. http://biologos.org/blog/behe-lenski-and-the-edge-of-evolution-part-1.
Zinser,E.R., Schneider,D., Blot,M., and Kolter,R. 2003. Bacterial evolution through the selective loss of beneficial Genes. Trade-offs in expression involving two loci. Genetics 164:1271-1277.
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