Proteínas: Fatos, Curiosidades e (Im)Probabilidades

Ilustração com a transcrição, tradução e dobra de uma proteína.

Por Wallace de Souza Barbosa.

As proteínas são moléculas fundamentais para o organismo, encontram-se em todos os tecidos e células, fazendo parte de sua estrutura (como blocos numa casa), das reações químicas essenciais aos organismos (como máquinas moleculares), da comunicação e sinalização intra e intercelular, da defesa contra germes invasores, da reprodução (na composição de gametas) [1], entre outras coisas.

Formadas de cadeias de até 20 tipos de aminoácidos diferentes, que são “enoveladas” em formas 3D específicas (forma nativa), algo fundamental para sua função e estabilidade, incluindo a presença de um ou mais pontos de ligação (locais geralmente côncavos, onde ligantes, moléculas menores, RNAs ou mesmo outras proteínas se ligam, [1]), além de centros ativos, onde a proteína se liga física e quimicamente a substratos específicos, fomentando uma reação química específica [2].

O processo de síntese de uma só proteína envolve, basicamente: um gene (parte do DNA que contém a “receita” da proteína: sua estrutura, quantidade de aminoácidos, que tipos serão usados e suas respectivas posições na cadeia, posição dos introns, etc), a DNA helicase, que desenrola o trecho do DNA a ser traduzido em RNA, uma RNA polimerase, que transcreve o mRNA, que então passa pela “clivagem” (splicing), onde tem seus íntrons removidos (processo feito pelo spliceossomo, complexo dinâmico que contém mais de 170 proteínas que unem-se na hora de realizar a clivagem de um pré-mRNA [4]) e daí dirige-se ao ribossomo (outro complexo molecular composto de mais de 79 proteínas diferentes, 4 espécies de RNA, cuja montagem envolve mais de 150 proteínas diferentes em humanos, e mais de 200 em leveduras [5], e é regulado por outros genes e pseudogenes (2090 PGs, para ser mais exato)[6]) onde é traduzido (ou seja, ocorre a montagem ordenada da cadeia de aminoácidos), sendo lido igual um código de barras, conforme os tRNAs (RNAs transportadores) vêm trazendo os aminoácidos exatos a serem ligados à proteína.

Ou seja, para tão somente produzir uma única proteína em estado imaturo, necessita-se de outras 252 proteínas envolvidas diretamente no processo, sem contar as variedades de RNAs. Obviamente, esse sistema complexo, altamente preciso e regulado sofrerá tremendamente caso quaisquer defeitos (mutações) ocorram em qualquer gene ou componente participante. De fato, a lista de doenças causadas por mutações é extensa e continua crescendo [7,8, 9].

Sem mencionar a quantidade tremenda de ATPs (adenosina tri-fosfato, moléculas que funcionam como baterias, servindo energia para a realização de todos os processos orgânicos) exigida na síntese proteica: Junto com as ATPases, a síntese proteica é o processo celular que mais consome ATPs numa célula, usando de 25% a 30% do estoque de ATP produzido [10].

Logo após o processo de tradução do mRNA, a proteína ainda não está pronta, pois é apenas uma longa cadeia peptídica espiral que necessita ser moldada em sua estrutura tridimensional nativa, a fim de esconder suas partes vulneráveis à água (regiões hidrofóbicas). Dependendo dos tipos de aminoácido empregados na cadeia, a proteína pode realizar uma certo auto-dobramento, mas, grande parte dessa tarefa fica a cabo das proteínas chamadas chaperonas.

Além de auxiliarem a célula na proteção contra danos causados por calor excessivo [11] (que podem levar à desnaturação de proteínas) as chaperonas auxiliam no enovelamento de proteínas recém-formadas. Essa assistência se dá por meio da gaiola de Anfinsen, um complexo dinâmico que envolve as famílias de chaperonas GroEL e GroES, auxiliadas por outras 250 proteínas adicionais [12]. Pelo menos 15 doenças são causadas por mutações nos genes responsáveis pelas chaperonas como é de praxe.[13]

E não para por aí, ainda tem a sinalização da proteína (a fim de identificar seu local de destino) e posterior transporte através do complexo de Golgi [14], que envia cada proteína rumo a seu respectivo local de destino dentro do organismo. Defeitos no tráfego de proteínas podem causar mal de Alzheimer e fibrose cística [15], entre outros males.

Existem cerca de 50 mil proteínas diferentes em seres humanos [16], sendo a titina a maior proteína de todas, com mais de 27 mil aminoácidos em sua composição (essa proteína encontra-se nos músculos).

Precisão e fidelidade é essencial para as proteínas. Cada aminoácido especificado no gene deve estar em seu devido local. Mesmo proteínas menores não tolerarão taxas de erro de 10^(-2) (10 elevado a -2, ou seja, 0.01 ou um erro a cada 100 resíduos (aminoácidos)), sendo que a taxa de erros observada gira em torno de 10^(-4) ou, 1 aminoácido a cada 10.000 aminoácidos. Isso tudo exige um eficiente sistema de checagem que detecte todos os aminoácidos incorretamente inseridos/alinhados durante a síntese [4].

Ao mesmo tempo que a célula precisa dessa fidelidade, ela necessita que a síntese seja rápida, a fim de atender a enorme demanda por proteínas. E os organismos são finamente projetados para isso, tanto que, uma E.coli (espécie de bactéria), consegue montar 40 aminoácidos por segundo, em cada ribossomo [4].

Para quem gosta de números, e números enormes, as proteínas são um prato cheio (e um verdadeiro terror para teóricos). Sendo 20 o número de aminoácidos essenciais, se calcularmos o número de combinações possíveis em um mero decapeptídeo (sequência com apenas 10 resíduos) chega a 20 elevado a 10, ou seja, 200.000.000.000 de proteínas possíveis! O problema é que não será qualquer combinação aleatória de aminoácidos que exercerá uma função específica na célula. Apenas uma fração ínfima das numerosas sequências seria útil. Logo, as chances de 50 mil proteínas funcionais de todos os tamanhos terem evoluído é simplesmente nula.

Segundo um artigo de Dr. R. W. Kaplan, as chances teoréticas de proteínas funcionais se formarem abioticamente (a partir de matéria não-viva) ficam entre 10^(-10) e 10^(-14). Ou seja, ficam entre 1 em um bilhão e 1 em dez trilhões (10.000.000.000.000)! [17] *


* Nota do responsável pela edição: Se essas probabilidades estivessem corretas, poderíamos observar coisas interessantes na natureza. Todos os teóricos sobre “chance” de formação de compostos orgânicos estão altamente equivocados sobre o funcionamento da natureza, parece que eles desconhecem as tendências naturais. Se as probabilidades estivesse certas nesse caso (1 em um bilhão), por exemplo, a ocorrência de fragmentos inferiores a proteínas ocorreria com muito maior frequência, conforme e proporcionalmente a relação de simplicidade, do mais simples ao mais complexo com um vasto gradiente de intermediários: dipeptídeos, tripetídeos, oligopetídeos e, mais raramente, proteínas. Teríamos a ocorrência indicando uma tendência a formação de macromoléculas, o que não acontece. Em fato, a natureza é totalmente contrária a essas tendências e esse caso sequer deveria participar de especulações probabilísticas. Eskelsen

Referências

[1] Alberts B, Bray D, Hopkin K, Johnson AD, Lewis J, Raff M, Roberts K, Walter P. Essential Cell Biology third edition.(2010)

[2] Levy dos Santos Guedes; Cíntia Renata Costa Rocha, Maria Betânia Melo de Oliveira, Nereide Stela Santos Magalhães. Sítio catalítico Portal Bioquímica 04 UFPE. Visitado em 14 de outubro de 2011.

[3] Berg JM, Tymoczko JL, Stryer L. Section 29.1- Protein Synthesis Requires the Translation of Nucleotide Sequences Into Amino Acid Sequences, Biochemistry. 5th edition. 2002 (NCBI Bookshelf)

[4]] Cindy L. Will and Reinhard Lührmann- Spliceosome Structure and Function – Cold Spring Harb Perspect Biol. 2011 Jul; 3(7): a003707. doi: 10.1101/cshperspect.a003707

[5] Thomas Wild, Peter Horvath -A Protein Inventory of Human Ribosome Biogenesis Reveals an Essential Function of Exportin 5 in 60S Subunit Export- Plos Biology DOI:10.1371/journal.pbio.1000522

[6] Kyota Ishii, Takanori Washio e colegas -Characteristics and clustering of human ribosomal protein genes- BMC Genomics 2006, 7:37 doi: 10.1186/1471-2164-7-37

[7] Scheper, G. C., van der Knaap, M. S., & Proud, C. G. Translation matters: Protein synthesis defects in inherited disease. Nature Reviews Genetics 8, 711–723 (2007) doi:10.1038/nrg2142.

[8] Le Quesne JP, Spriggs KA, Bushell M, Willis AE. -Dysregulation of protein synthesis and disease.- J Pathol. 2010 Jan;220(2):140-51. doi: 10.1002/path.2627.

[9] David Gitlin, Charles A. Janeway. Congenital abnormalities in protein synthesis. PEDIATRICS Vol. 21 No. 6 June 1, 1958 pp. 1034 -1038

[10] R. G. Boutilier -Mechanisms of cell survival in hypoxia and hypothermia- September 15, 2001
J Exp Biol 204, 3171-3181.

[11] Stephanie Liou. The Heat-Shock Response. HOPES 2010.
(Acessar)

[12] F Ulrich Hartl -Chaperone-assisted protein folding: the path to discovery from a personal perspective- Nature Medicine 17, 1206–1210 (2011) doi:10.1038/nm.2467 October 2011

[13] Macario AJ, Grippo TM, Conway de Macario E. -Genetic disorders involving molecular-chaperone genes: a perspective.- Genet Med. 2005 Jan;7(1):3-12. PMID: 15654222

[14] Ira Mellman and W. James Nelson -Coordinated protein sorting, targeting and distribution in polarized cells- Nat Rev Mol Cell Biol. 2008 Nov; 9(11): 833–845. doi: 10.1038/nrm2525

[15] Stamnes, Mark, Ph.D. Protein sorting and transport.
(Acessar)

[16] InnovateUs. How many Proteins exist in human body?
(Acessar)

[17] Prof. Dr. R. W. Kaplan -Theoretical considerations on probabilities of biopolymers and life’s origin- Radiation and Environmental Biophysics, 1974, Volume 11, Issue 1, pp 31-40


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